Arquivo de Agosto, 2010

O encanto dos pirilampos

Posted in thoughts on Agosto 5, 2010 by Sergio Freire
Está frio mas é Verão.

Sopra um vento sem direcção, enquanto olho para aqueles pirilampos lá em cima.
É de noite, mesmo de noite, de tal forma que se conseguem ver os seus olhos brilhantes.
Caminho mesmo juntinho à espuma salgada, quase sentindo o seu sabor.

Uma cova escavada na encosta da areia separa o deserto árido das águas que se banham sobre ela.
Paro e reparo que as águas correm umas sobre as outras, argumentando e contra-argumentando, engolindo-se a si próprias.
Mas cedo renascem e também cedo desvanecem.
Uma força enorme as atira constantemente.
Uma força enorme as recolhe.
Os pirilampos admirados lá bem alto, piscam os olhos uns aos outros.
De vez em quando deixam cair uma lágrima brilhante, a que chamam "estrela cadente".
Tanta vontade têm de sentir esta brisa que se atiram do espaço mas quando se aproximam o seu brilho desaparece, engolido pela audácia de quem tudo quer.
São tantos que não sentem a falta uns dos outros, quando um deles se perde pelo encanto da onda do mar que o ofuscou.
Está frio.
Estou hipnotizado pelo som das ondas que falam sempre em línguas diferentes. Quando começo a ser capaz de distinguir dois ou três fonemas e me atrevo a dizer três ou quatro palavras, vem uma onda que abafa a primeira, fala num dialecto diferente e deixa-me novamente sem palavras. 
Afasto-me pois entretanto o mar subiu e quase que engolia a encosta que me sustentava.
Está na hora de voltar costas, não ao mar, não ao espaço que tem aqueles estranhos seres que anseiam estar a 2 metros das ondas cada uma diferente.
Mas está na hora de voltar costas, porque amanhã sei que se aqui voltar o mar ali estará para me surpreender e me encantar… da mesma forma que seduz os pirilampos lá nos confins do espaço, os tenta e os engana, pois enquanto eles se atiram para falar com aquela onda que viram nascer… ela cresceu, diminuiu e desapareceu.
SF

Perguntas do alto das nuvens

Posted in thoughts on Agosto 3, 2010 by Sergio Freire
Não quero falar. Não posso.

Se falar, digo o que não quero, ou o que quero mas mas não devo.
Caminho silenciosamente pelas nuvens que me envolvem e me escondem. Mas grandes são os buracos lá em cima que de repente se destapam e deixam ver o céu cá em baixo.
Mantém-se uma neblina que distorce a realidade e não nos deixa ver tudo aquilo que existe para além das gotas que ampliam e reduzem o que as circunda.
Aproximo-me duma gota e ela amplia-e a mim próprio, escorrendo pelo meu corpo como chuva, que molha e não seca.
Não sei porque me molha mas talvez seja da minha teimosia em lhe perguntar. A forma como brilha cria um mundo que não existe.
Apetece-me espreitar para além dela mas atrás uma irmã espreita, e da irmã uma prima. 
Não consigo ver o caminho adiante, pois tão grande é a família. Posso perguntar a uma delas porque se atravessa no meu caminho mas as outras curiosas aproximam-se, juntam-se numa só e não me deixam passar.
Continuo sem ver o céu lá em baixo. Espreito agora que a tempestade parece ter passado e o Sol começa a piscar o olho com ar matreiro. Mas tenho medo de lhe perguntar porque me faz aquele sinal. Se lhe pergunto pode levar a mal. Se lhe pergunto posso despertar a atenção novamente às suas vizinhas, que cedo acorrem por curiosidade, se juntam tão juntas para cuscar, transformando-se na neblina que não me deixava ver o que mais queria.
Encontrei uma escada.
Desço por ali abaixo.
Pensava que havia apenas um andar de nuvens mas parece que o construtor sabia que cada uma deveria viver em andares separados.
Há correntes que movem as nuvens mais depressa ou com mais acalmia, independentemente do andar que habitam.
Mas cá para baixo as tempestades são sempre menores, ou pelo menos os raios estão mais afastados.
Desço.
A escada estica e cresce.
Olho para o retrovisor e leio o aviso: "Os objectos estão mais perto daquilo que parecem". E nessa altura apercebo-me.
Quando penso que estou a chegar mais perto do céu lá em baixo, parece que estou mais longe.
Apetecia-me perguntar quantos degraus faltam mas tenho medo que a escada cresça para me explicar.
Se não pergunto fico na dúvida.
Se perguntar tenho receio.
Mas todas as perguntas têm resposta desde que estejamos preparados para a ouvir.
Perguntei e apercebi-me que…
já sabia a resposta… só não sabia fazer a pergunta.
Mas o céu ficou um pouco mais claro, mesmo que chova, pelo menos esta chuva molhará certamente doutra forma. Talvez até seque mais rapidamente, se o vento soprar com força.
Sinto a brisa levar-me para uma estrada. Mas não vejo indicações… mas será que as quero?
Talvez me deixe repousar na manta do vento e deixar que ela me aconchegue.
Talvez ela me deixe cair devagar e ao céu chegar sem me ferir, sem me magoar.
Se pergunto ao vento se demora, ele chateia-se e vira-me ao contrário.
Largo a escada, confio no vento, mesmo que me leve onde não queira mesmo que me leve para as nuvens.
Nisto lembro-me daquelas gotas bisbilhoteiras e chove novamente.
Deixo-me molhar mas mantenho a boca de fora, pois o nariz está entupido e não consegue cheirar o rasto que me leva ao caminho que me conduzia.
Estou tão perdido que começo a acreditar que por sorte encontrarei o Sol à minha espera no céu lá em baixo.
SF